“Há ocasiões em que temos de romper com os nossos amigos a fim de compreendermos o significado da amizade. Pode parecer estranho que o diga, mas a descoberta desse livro equivaleu à descoberta de uma arma, de uma ferramenta com a qual se me tornava possível ceifar todos os amigos que me rodeavam e que já não significavam nada para mim. Esse livro tornou-se meu amigo porque me ensinou que eu não tinha necessidade nenhuma de amigos. Deu-me a coragem de ficar só, e permitiu-me apreciar a solidão. Nunca compreendi o livro; houve ocasiões em que me pareceu estar à beira da compreensão, mas nunca o compreendi, verdadeiramente. Foi mais importante para mim não compreender. Com esse livro nas mãos, lendo alto para os meus amigos, interrogando-os, explicando-lhe, foi-me dado compreender claramente que não tinha amigos, que estava só no mundo. Pelo facto de nem eu nem os meus amigos compreendermos o significado das palavras, uma coisa se tornou muito clara: há maneiras de não compreender, e a diferença entre o não compreender de um indivíduo e o não compreender de outra cria um mundo de terra firme ainda mais sólido do que as diferenças de compreensão. Tudo quanto outrora julgara ter compreendido ruiu e pude partir do zero. Os meus amigos, pelo seu lado, entrincheiraram-se mais solidamente na pequena vala de compreensão que tinham escavado para si próprios. Morreram confortavelmente no seu leitozinho de compreensão, para se tornarem úteis cidadãos do mundo. Lamentei-os e, a breve trecho, abandonei-os um após outro, sem o mínimo de desgosto.”
Henry Miller fala de um Livro de Bergson "A Evolução Criadora" in Trópico de Capricórnio