Thursday, January 28, 2010
Thursday, January 14, 2010
Tuesday, January 05, 2010
...de uma prisão qualquer III
"Creio que quase todas as nossas tristezas são momentos da tensão que nós sentimos como paralisia, porque já não conseguimos ouvir viver os nossos sentimentos feitos estanheza. Porque estamos sozinhos com a estranheza que entrou em nós; porque nos foi retirado por um momento tudo aquilo em que confiamos e nos é habitual; porque estamos no meio de uma passagem onde não podemos ficar. Por isso também a tristeza passa: o novo em nós, o que se lhe acrescenta, penetrou no nosso coração, foi para a sua câmara mais íntima e também já lá não está, - passou ao sangue. E não sabemos o que foi. Podiam fazer-nos crer facilmente que nada aconteceu e todavia transformámo-nos, como uma casa se transforma quando quando um hóspede entra nela. Não podemos dizer quem chegou, talvez nunca o saibamos, mas há muitos indícios de que o futuro entra em nós dessa maneira, para se transformar em nós, muito antes de nos acontecer. É por isso que é tão importante ser solitário e atento quando se está triste: porque o instante aparentemente vazio e imóvel, em que o nosso futuro entra em nós está muito mais próximo da vida do que aquele outro momento, ruidoso e fortuito, em que o futuro nos acontece como de fora para dentro. Quanto mais silenciosa, paciente e abertamente soubermos ser tristes, tanto mais profunda e certeiramente penetrará o novo em nós, e assim o interiorizamos melhor, e assim tanto mais será ele o nosso destino e sentir-nos-emos no íntimo mais próximos dele, se ele algum dia mais tarde "acontecer" (quer dizer: fora de nós para os outros). E é necessário - e por aí irá cada vez mais a nossa evolução - , que nada de estranho se nos oponha mas sim que nos chegue o que de há muito nos pertence. (...) Temos de aceitar a nossa existência tão vasta quanto ela for; e tudo, incluindo o inaudito deve ser possível nela. Esta é no fundo a única coragem que se nos exige: ser corajoso perante o mais estranho, o mais extraordinário e o mais obscuro que nos possa acontecer. (...)Mas só quem está disposto a tudo, quem nada exclui, nem mesmo o mais enigmático, poderá viver a relação com o outro como algo de vital e esgotar a sua própria existência até ao fundo. Ora, se pensarmos a existência do indivíduo como um espaço maior ou menor, veremos que a maioria apenas conhece um canto do seu espaço, um lugar à janela, uma nesga para andar de cá para lá. Assim têm uma certa segurança. E, todavia, é tão mais humana aquela insegurança cheia de perigos que impele os presos (...) a tactear as formas do cárcere terrível e a não serem estranhos aos medos indizíveis da sua estada na prisão."
Rainer Maria Rilke, Cartas a um Jovem Poeta