Há sensações que, porque desagradáveis, gostariamos de não voltar a viver. Cerca de vinte anos passados há quem olhe para a minha pele, depois de ter ouvido a minha voz ao telefone, com desagrado suficiente para não me alugar a sua casa. Há vinte anos atrás, procurava um simples quarto para daí desbravar a amada Lisboa. Quantas recusas, quantas situações caricatas então vivi. Hoje procuro uma casa, um apartamento para estar e continuar a viver. Gostava de pensar que é em mim que está o preconceito.Tento acreditar que assim é.Mas os factos... Nada mudou!Fico triste e comigo outros ficam. Por experiência própria sei que muitos me olham como igual, embora diferente. São os que interessam. Mas doi e não é pouco porque passou muito tempo e agora outros que tanto quero poderão estar sujeitos ao mesmo. Vinte anos!Não me apetece mais:" We shall overcome someday( Luther King)", "a luta contínua", etc. Já só penso em sair, ir-me embora. Ir-me e deixar os que antes de mim( por vezes sou ingénuo) já tinham dado conta do que se passava?Deixar que a tristeza me cegue e não veja que tenho perto quem me queira e permite que lhe queira?Não. Vai ser preciso muito mais do que isso para abandonar os que comigo se surpreendem e sofrem com isto. A tristeza não tem fim... mas continuarei a tentar fazer das minhas noites melhores que os dias deles...
Em 1998, após mais uma trapalhada para alugar uma casa, na pág.67, um amigo dedicava-me umas palavras que hoje são tão actuais como naquela data:
O teu sangue vivo despertou.
Pelo fotograma de um deserto
infindo, pelo ritmo pegado
à roda da água, à régua
da nora, pela água que veio
no milagre que quiseste, dar-lhes
a água à pele seca, humana.
"Não há quem não venha
por impaciência do macho
seja em África seja na Europa."
O teu sangue vivo amedrontou-se.
Aquilo já não é meu
e isto ainda não é, vou procurar
na música as contradições.
Vou procurar uma casa,
um fiador, bem vê, é preciso,
para dentro dos meus olhos
não vêem um branco. Roubei
amurada de onde vejo jangadas
ancoradas ao meu coração.
Helder Moura Pereira in amor carnalis
Ajudou e deu força, again.
Em 1998, após mais uma trapalhada para alugar uma casa, na pág.67, um amigo dedicava-me umas palavras que hoje são tão actuais como naquela data:
O teu sangue vivo despertou.
Pelo fotograma de um deserto
infindo, pelo ritmo pegado
à roda da água, à régua
da nora, pela água que veio
no milagre que quiseste, dar-lhes
a água à pele seca, humana.
"Não há quem não venha
por impaciência do macho
seja em África seja na Europa."
O teu sangue vivo amedrontou-se.
Aquilo já não é meu
e isto ainda não é, vou procurar
na música as contradições.
Vou procurar uma casa,
um fiador, bem vê, é preciso,
para dentro dos meus olhos
não vêem um branco. Roubei
amurada de onde vejo jangadas
ancoradas ao meu coração.
Helder Moura Pereira in amor carnalis
Ajudou e deu força, again.
8 Comments:
A tua "luta" passou a ser minha também.Sofro e choro contigo mas...Desistir?Nunca!
Ainda há esperança.
:))
Algo terá mudado nesses 20 anos mas tem sido a conta-gotas...
O pensamento a "preto e branco", "nós" vs. os "outros" continua bem vivo, talvez mais escondido e mais sorridente mas em privado, a história repete-se: ainda se espera que a cor (e a origem geográfica...) diga quem a pessoa é! O que vai valendo é que a "casa racial" não é o lar que somos "livres" de construir sem precisar de cimento, tijolos ou autorização de permanência.
E-clair
...não é o lar que somos "livres" de construir...???
Sim...não é. (pq os ??? ?)
"casa racial" = o pré-fabricado social pronto a usar (o racial é apenas um modelo, há muitos mais...), é só ver a cor... é o espaço que se habita involuntariamente
"lar" = lugar íntimo, pessoal, "livre"
Isto a propósito de um belíssimo ensaio de Toni Morrison -- "Home" -- que estava debaixo do meu nariz quando li o post e decidi comentar.
E-clair
Só um pequeno excerto:
"...In that freedom [of writing], as in all freedoms (especially stolen ones), lies danger. Could I redecorate, redesign, even reconceive the racial house without forfeiting a home of my own? Would life in this renovated house mean eternal homelessness? (...) Or would it require intolerable circumspection, a self-censoring bond to the locus of racial architecture? In short, wasn't I (wouldn't I always be) tethered to a death-dealing ideology even (and especially) when I honed all my intelligence toward subverting it?"
Toni Morrison, "Home" (1997)
P.S. Metáforas à parte, espero que já tenhas encontrado um chão.
E-clair
Era mais um tecto que procurava.Um abrigo contra "as bombas" enquanto se vai flutuando...
Então, esperemos que seja um safe harbour e não um bunker.
Mas, e os ??? ? Não cheguei a perceber.
E-clair
There's no safe place in this world...quanto aos?? resultam da impossibildade de perceber a linguagem rebuscada, intricada usada.Há dias assim...
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