Thursday, December 30, 2004

Elsinore

Em Mecenas o sangue era exposto
E corria vermelho como num grande talho
Sujando as mãos dos assassinos
E a água da banheira.
Lá fora o rio e a luz
Continuavam limpos e transparentes
O crime era um corpo estranho circunscrito
Não pertencia à natureza das coisas.

Em Elsinore ao contrário o mal era um veneno subtil
Invadia o ar e a luz penetrava
Os ouvidos as narinas o próprio pensamento
O amor era impossível e ninguém podia
Libertar-se:
O inferno vomitava sua pestilência, invadia
As veias e os rios

No entanto o mal não se via era apenas
Um leve sabor a podre que fazia parte
Da natureza das coisas



Sophia de Mello Breyner

A desconfiança "guarda-se" com plástico

“Mais do que nunca na história, a humanidade está numa encruzilhada. Um caminho conduz ao desespero e ao desânimo. O outro à extinção total. Rezemos para que saibamos fazer a escolha certa.” Woody Allen

Todos nós, por uma vez ou outra, já teremos sido confrontados com a situação particular de entrar num hipermercado ou certas "lojas" e não obstante toda a tecnologia disponível para prevenir possiveis danos( leia-se roubos) , educadamente nos serem pedidos os sacos que nos haviam sido dados noutra loja para serem vistos, selados, etc. Até se pode relevar o facto apesar da irritação que causa( explicarão que paga o justo pelo pegador). Agora o que ultrapassa o bom senso é quando na presença de um saco de plástico( nunca mais se importa dos states a moda dos sacos de papel reciclado) esse mesmo saco seja colocado dentro de outro, de plástico!!Isto à entrada de um hipermercado, dez pessoas com sacos, dez sacos passam a vinte sacos, de plástico, sendo que por cada par, um deles está condenado a ir imediatamente para o lixo( não reciclável). Uma confusão de plástico!Mas assim está tudo mais seguro. Tudo, menos o ambiente. São as nossas( ou deles) escolhas?!

PS. No hipermercado os "sacos verdes" estão longe da caixa a que nos dirigimos.Esperar para que cheguem enfurece as pessoas na fila e embaraça quem está na caixa. Melhor mesmo é levar os sacos disponíveis na caixa. E mais plástico!Porque não nos enfiam um saco, de plástico, na cabeça?Era só uma sugestão.



Thursday, December 23, 2004

“We live as we dream-alone” J.Conrad

Sunday, December 19, 2004

Com a tristeza também se pode viver...?

As Notícias que Nunca Saem na Primeira Página(nem na última...)Mohammed al-Durra é nome de poema e é também o nome do rapaz da foto. Vezes sem conta, as televisões mostraram-nos as imagens do rapaz aterrorizado e assassinado pelos impiedosos israelitas num dia de Setembro do ano 2000. Mohammed al-Durra foi capa de todos os jornais, assunto de todas as conversas e transformou-se num mártir e símbolo da nova Intifada palestiniana.Talal Abu Rahma, o cameraman que captou os dramáticos momentos da morte da criança, acumulou prémios, entre eles o de "Best Cameraman of the Year", o "Prémio da Comunicação Cultural Norte-Sul", o Rory Peck Award e a Medalha de Bravura da Associação de Jornalistas Palestinianos.Mais tarde, quase ninguém viu um documentário de uma cadeia de televisão alemã que demonstrou que o rapaz não podia ter sido morto pelas balas de Israel. Eu vi. Foi na SIC-Notícias, uma noite qualquer em 2002 ou 2003. A verdade inconveniente porque politicamente incorrecta é que o mártir palestiniano não teria sido morto por balas de Israel mas por balas palestinianas. Outros testemunhos apontavam no mesmo sentido. A notícia teve pouco impacto para lá das fronteiras de Israel. Encontrar notícia pró-Israel na Europa é como ver bom futebol no Estádio da Luz: só se vier de fora.Levantaram-se então dúvidas sobre o cameraman. Do local onde ele se encontrava deveria ter sido capaz de perceber que os tiros que mataram Durra não poderiam ter sido disparados pelos soldados de Israel. No entanto, o laureado Talal até assinou um testemunho sobre o assunto.O que se passou afinal? Um jornalista do Wall Street Journal garante que estamos em presença de uma falsificação: "it was nothing but a hoax". E conta-nos a história da manipulação, que teve total cobertura da cadeia de televisão France 2.Talal Abu Rahma já se retratou e desmentiu o seu próprio testemunho e já passaram 20 dias sobre o assunto. E por cá? Nada nos nossos jornais... Afinal, o que é que interessa a verdade se a verdade contraria as nossas convicções?
# jaquinzinho de jcd : 17.12.04
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Precisavam os palestinianos disto? Já não lhes basta o sofrimento diário? Será que em nome de uma causa a verdade vale menos que a mentira?

Lá se foi o meu domingo...fica a tristeza.

Saturday, December 18, 2004

O absolutismo da maioria I

“Às vezes parece-me que uma epidemia pestífera atingiu a humanidade na faculdade que mais a caracteriza, ou seja, o uso da palavra...e acrescentarei que não é só a linguagem que me parece atingida por esta peste. Também as imagens, por exemplo.
Mas talvez a inconsistência não esteja só nas imagens ou só na linguagem: está no mundo. A peste também atinge a vida das pessoas e a história das nações, torna todas as histórias informes, casuais, confusas, e sem pés nem cabeça... “(
Italo Calvino in Seis propostas para o próximo milénio)

Talvez, porque as minorias encerram em si algo atractivo, o apelo às maiorias absolutas para a “desgovernação” sejam tão pouco atractivas. Agora, como noutras alturas, aquele apelo volta a”zumbir” nos ouvidos. A ideia de um parlamento como recinto de discussão, debate, convicções é posta de lado em nome de uma suposta aplicação de um programa que só pode ser aplicado se o fôr na sua forma absoluta. Ao terem a tão desejada maioria absoluta quem vão os seus detentores ouvir? Ninguém. O debate será pouco mais que um folclore da democracia. Aqueles que não entenderem a utilidade de um partido pôr e dispôr das suas vidas verão, com este cenário, o seu voto inutilizado. É uma bela armadilha- escolhe-se mas não se é ouvido.
Com os governos minoritários pode-se governar mas tem que se ouvir, discutir com os outros, argumentar, chegar a consensos. O que parece é que não se sabe ou não se quer, atendendo á mediocridade que nos atola, argumentar, discutir, reconhecer que não se é detentor da verdade absoluta.


Friday, December 17, 2004

Era preciso dizeres que não gostas de Doors?
Nem assim apagas o fogo que me arde

A cozinha precisa de obras...

Vários pensamentos ocorriam. Pedro nunca tinha feito um esforço para manter a família. Sempre havia sido ponto assente na sua cabeça, que ou ela se mantinha por si ou não seria mantida pelo seu esforço. Apercebia-se, agora, que não se tinha mantido. Outra coisa existia e os deixava viver. A substituição do que parecia ter havido era algo que percebia. Já do que tinha havido antes mal se recordava. Silêncios, ausências e grandes dependências.
- Já cá estou- sorria Diana a olhar para Pedro, encostada à porta com os braços caídos junto ao corpo, deixando a mala prolongar o braço esquerdo quase até ao chão. A linha descrita, era de uma elegante simplicidade. Do ombro até à mala estava a imagem do que Diana simbolizava para Pedro- uma enganadora fragilidade. Os ossos pareciam ser a única coisa que suportava a pele, esta, de uma brancura tal que realçava uns olhos claros de cor indefinida e por vezes gélidos. O cabelo preto, molhado, começava agora a dar lugar a um cinzento maioritariamente concentrado do lado esquerdo. Levou a mão direita ao pescoço, num gesto característico, para aliviar qualquer tensão..
- Cansada? Foi dura a noite? Perguntou Pedro.
- De uma forma ou de outra, aonde quer que esteja, as minhas noites são sempre duras- dirigiu-se para o fogão e de caminho poisou os lábios na testa de Pedro, descobrindo de seguida a chaleira vazia.
- Vai tomar banho que te faço o chá – murmurou Pedro.
- Obrigada, mas vou directa do banho para a cama. Vais pintar hoje?
- Faltam-me cores...
Os olhos de Diana surpreenderam os de Pedro marejados de lágrimas. Por momentos teve uma grande sensação de perda. O que se tinha perdido?
(continua)